Brasil está entre os países que consomem mais agrotóxicos no mundo

Caso o pacote de leis que altera a regulação dos agrotóxicos no Brasil seja aprovado, mercado para uma eventual entrada de novos pesticidas não faltará: o país, dono de uma das maiores produções de alimentos no mundo, está entre os 10 maiores consumidores de agrotóxicos do planeta. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), ocupamos o 7º lugar na relação da quantidade de produtos aplicados por hectare de terra cultivada. No volume total, o Ministério do Meio Ambiente brasileiro informa que estamos em 1º lugar.
O apelo dos defensivos agrícolas é grande. Em uma atividade extenuante, eles reduzem um tempo precioso de trabalho no campo e aceleram a colheita. A venda é controlada pelo governo, e a aplicação é passível de fiscalização. Há equipamentos de segurança para serem usados, e períodos de carência entre as aplicações e entre a aplicação e a colheita, para garantir que o alimento seja seguro. Mesmo assim, os equívocos e o aproveitamento de substâncias usadas em culturas diferentes são comuns.
– Se o produtor só aplicar quando necessário, usar o que é registrado para aquela cultura, a dose correta, com o equipamento devidamente calibrado, e respeitar o período de carência, o alimento é seguro – diz Luis Antônio Palladini, diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Epagri, em Santa Catarina.
Claudemir de Lima sentiu na pele os efeitos da exposição aos agrotóxicos quando trabalhava no cultivo de tomate e pimentão, no Norte do Paraná. Crises de vômito, diarreia e dor de cabeça o levaram a passar seis dias internado em um hospital, para se livrar da intoxicação.
– Passavam muito veneno, para todos os tipos (de cultivo). Na época a gente comia esses alimentos com agrotóxicos, porque não sabíamos o que causava. Mas se não faz mal, como é que eu passei mal? – questiona.
A internação foi a gota d`água. Quando ficou bem de saúde, ele decidiu que não trabalharia mais com pesticidas e mudou-se para Blumenau, onde mantém uma chácara com plantações orgânicas. Para manter a qualidade dos produtos, a propriedade faz análises da água e do solo, e mantém barreiras de árvores para evitar que uma eventual contaminação das terras vizinhas atinja o terreno.
– A gente pensa que consumir alimentos com agrotóxicos não faz mal, mas é com o tempo que vai sentir – acredita.
Em intoxicações agudas, quando ocorre uma grande exposição ao agrotóxico de uma só vez, há casos em que não se usou o equipamento apropriado de segurança, ou faltou manejo correto de aplicação. Cláudia Regina dos Santos, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), iniciou este ano uma pesquisa com agricultores catarinenses para compreender os hábitos de trabalho e as consequências dos agrotóxicos, especialmente naqueles que não têm nenhuma doença conhecida.
O primeiro município a passar pela avaliação foi Antônio Carlos, na Grande Florianópolis. Os dados estão em análise, mas a observação prévia mostra alterações hormonais, nódulos de tireoide e casos de ansiedade. Também chama atenção a grande quantidade de agricultores que fazem uso de medicamentos antidepressivos.
Pesquisas têm relacionado o uso de agrotóxicos com o aumento no número de doenças psiquiátricas e suicídios no campo. Jornadas extenuantes, dificuldades financeiras e familiares, aliados ao uso crônico dos pesticidas, compõem uma bomba-relógio no meio rural.
– A literatura cientifica aponta que existe uma relação entre uso de agrotóxicos e a ocorrência de quadros neurológicos graves que podem levar a depressão e, como consequência, podem induzir a tentativa de suicídio – avalia o sanitarista Eduardo Macário, diretor de Vigilância Epidemiológica em Santa Catarina (Dive-SC).
Em Mafra, no Planalto Norte, onde é comum a cultura do fumo – uma das que mais têm risco de intoxicação, tanto pelos agrotóxicos quanto pelas folhas da planta – o médico psiquiatra Cláudio Gastal cruzou dados de suicídios coletados num período de 20 anos, entre 1980 e 2002. Conseguiu demonstrar que, proporcionalmente, o número de mortes na zona rural foi três vezes maior do que na zona urbana.
– O agrotóxico é um elemento facilitador. Estamos expostos, pela alimentação, a agrotóxicos que facilitam o aumento no índice de quadros psiquiátricos, e que estão fortemente relacionados a sintomas depressivos – afirma.
Na pesquisa iniciada pela professora Cláudia, da UFSC, um dos objetivos é descobrir o que leva os agricultores a optarem pelo cultivo com agrotóxicos, mesmo sabendo os riscos a que estão expostos. O questionário, no momento, é aplicado entre as comunidades rurais de Santo Amaro da Imperatriz.
– A maioria alega que a produção de orgânicos exige uma demanda física muito grande, e rende muito pouco – comenta Cláudia.

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