Inácio Mudo, carreiro e benzedor

Tem um humorista na TV que diz: “…quem não tem dinheiro, conta história…”. Como eu não tenho grana…. No século passado, sobretudo no primeiro quarto dele, havia muitos benzedeiros, parteiras e rezadeiras. Era na zona rural onde se encontrava a maioria deles. Segundo os antigos, os curandeiros tinham a panaceia para males como mau-olhado, caxumba, bucho virado, cobreiro, íngua, quebranto, espinhela caída, simioto entre outras folclóricas moléstias.  Com um galhinho de arruda, guiné, ou outra planta qualquer eles benziam, principalmente as crianças e os crentes acreditavam na cura. As modestas residências espalhadas pela zona rural ou periferia das cidades permaneciam dia e noite repletas de gente a procura de ajuda. Lençóis Paulista não poderia fugir à regra. Dezenas de benzedores deixaram suas marcas na história da cidade, porém, seria impossível citar o nome de todos eles neste pequeno espaço e por essa razão vou lembrar de apenas um. Trata-se de Inácio Rosa, mais conhecido com Inácio Mudo. Ele era surdo e mudo e apesar de sua deficiência trabalhava nas lides da roça com desenvoltura e nas horas vagas atendia como benzedor.  Teve seu nariz arrancado pela chifrada de um boi, pois dentre outras atividades, ele também desempenhava a função de carreiro, atividade usual à época. Inácio Mudo lidava com cinco juntas de boi, e, mesmo sendo mudo, um pequeno gesto seu era suficiente para que a primeira dupla de bois mudasse de rumo, parasse ou seguisse à diante. Ele tinha o comando da boiada e essa liderança causava inveja àqueles que com os sentidos perfeitos desempenhavam a mesma função. Num final de tarde, o carro carregado de café em coco afundou num atoleiro e os bois não conseguiam puxar.  Inácio tentava “gritar” com os animais, mas parecia que eles também tinham ficado surdos. O desespero começava a tomar conta do carreiro que tirou o seu chapéu, ajoelhou-se ao chão e à sua maneira fez uma rápida oração. Como num truque de mágica, sem muito esforço os animais arrastaram o carroção para fora do atoleiro. Noutra ocasião, um garotinho com menos de 5 anos de idade desapareceu na lavoura de café e depois de 12 horas procurando sem sucesso, a família procurou Inácio para pedir ajuda por meio de oração. O curandeiro fechou-se em um quarto escuro, fez suas preces e através de sinais disse que o garoto seria encontrado nas próximas horas. Ao retornarem para casa, os pais do menino encontraram-no brincando no quintal. Dentre os episódios envolvendo Inácio Rosa tem um que é no mínimo curioso, ou engraçado. Cidadão estava com uma tremenda dor de dente e já tinha feito bochecho com chá de folha de batata, gargarejo com pinga e sal, e com tudo aquilo que  lhe ensinaram e o incômodo persistia. Procurou o amigo curandeiro que de pronto catou um galhinho de arruda e começou o trabalho. O cara que já tinha bebido algumas doses de cachaça dormiu na cadeira durante o benzimento. Ao acordar, horas depois, ele atribuiu o desaparecimento da dor a um milagre de Inácio Mudo. Detalhe: o homem era banguela, não tinha sequer um dente na boca. Essas e outras histórias envolvendo curandeiros são contadas por antigos moradores da zona rural e à medida do possível esta coluna pretende resgatar.

Benedicto Blanco – Jornalista (MTb 24.509)

Artigo publicado pelo Jornal SABADÃO na edição de sábado, dia 12 de novembro 2016.