Assim Era a Vida lá na Roça

Agosto, dia 06, segunda-feira, manhã chuvosa em Lençóis. Junto com essa chuvinha  fina que cai, brotam as lembranças boas da minha  infância.  Já faz tempo, em dias como esse, as pessoas lá da roça se abrigavam sob algum telhadinho improvisado e jogavam conversa fora. Futebol, pescaria, política, religião e outros temas faziam parte da pauta. O sítio do meu avô ficava ali nas proximidades  da Usina Barra Grande e meu pai e meus tios cuidavam da lavoura da cana de açúcar, café, e um pouco de cereais. Para as lides do campo eles contavam com o auxilio de pessoas que minha avó acostumava chamar de “camaradas”. Nos dias ensolarados “patrões” e “empregados” se misturavam e logo pela manhã, ao nascer do sol, rumavam para o pé do eito. Próximo às 9 horas todos se sentavam no chão ou sobre o cabo da enxada e almoçavam e perto do meio dia era o momento de tomar aquele café reforçado com pão, queijo, manteiga, banana e o que tivesse sobrado da marmita do almoço. Às 6 da tarde, ou quando o sol se escondesse no horizonte, era hora de voltar para a casa. Se não estivesse programado nenhum bailinho, reza, ou outro evento qualquer, às 8 da noite estavam todos na cama. Poucos tinham televisão, e muitos nem com energia  elétrica contavam. O radinho de pilha era a maior distração daquele povo. Ele era o responsável pela difusão dos principais acontecimentos mundo afora e era por meio dele que se ficava sabendo das novidades do time de futebol do coração. Às 6 da tarde era momento de introspecção, de oração. Todos se plugavam no programa Ave Maria que no final tinha a benção especial feita pelo Padre Donizete, famoso religioso que realizava, segundo os crentes, milagres na cidade de Tambaú. Nos idos de 1960, a Rádio Piratininga de São Paulo  tinha na sua programação noturna uma espécie de telenovela cujo mocinho era “Juvêncio, o Justiceiro do Sertão”, interpretado por  Vicente Lia. Juquinha, personagem menino vivido por  Adalberto Amaral era o parceiro do Justiceiro. Corisco era o cavalo de Juvêncio e o de Juquinha atendia pelo apelido de Saci.

Aquela radionovela estilo  faroeste brasileiro foi, durante anos, campeã de audiência no horário. A molecada da época pregava a orelha no rádio e decorava todas as falas. No dia seguinte, nos eitos dos canaviais a conversa girava em torno do jogo de futebol da noite passada ou sobre a “novela do Juvêncio”.

A rodovia Mal. Rondon que chegou por volta de 1957, trouxe um ar de modernidade para a região. Nos finais de semana, era comum ver dezenas de pessoas acomodadas às margens da estrada para observar os veículos que passavam. Alguns tinham até paciência de contar o número de carros que trafegavam em determinado espaço de tempo. Nessa época, pequenos sitiantes praticamente circundavam a sede da Usina Barra Grande. Entre eles, José Pinto, Carlos Gomes, Benedito Lazarini, Izaltino e Pedro de Oliveira, Antonio Crotti, Celso Castelhano,  Antonio Lourenço Blanco e José Antonio Blanco (Chiquitim). Em todos esses pequenos sítios havia moradores, famílias grandes que trabalhavam na lavoura e nos finais de semana, sem opção de divertimento, se reuniam na beirada da estrada.  Assim era a vida na roça nos anos 60.

Benedicto Blanco é jornalista, administrador do site LN e membro da Academia Literária Lençoense (ALL)