Falta de Diálogo

A ideia era impressionar o maridão, mostrar que com um pouco de capricho e uma boa meia-sola, ela ainda daria pro gasto. Deu um trato na cabeleira já bastante desgastada pelo implacável tempo, tirou as cutículas e esmaltou as unhas, maquiou o rosto, depilou as axilas, lambuzou-se de cremes e perfumes só usados em ocasiões especiais e prostrou-se na porta da sala à espera do esposo.
Ele chega, nem a cumprimenta, vai direto para o banho e reclama que não tem sabonete. Apesar de frustrada com a indiferença do marido, ela aguarda sua saída e ele, mais uma vez, passa sem notar a presença da mulher. Desanimada, vai para a cama e finge dormir. Duas horas mais tarde ele também decide recolher-se e resmunga por ela estar usando mais da metade da cama e resolve passar a noite no quarto contíguo. Revoltada, a mulher não prepara o café da manhã e o marido, esbravejando, vai para trabalho em jejum.
Bravo como uma jararaca pronta a dar o bote ele confidencia a situação a um de seus melhores amigos que lhe “oferece ajuda”. Combinaram, então, que naquela tarde, para espairecer, passariam por algum barzinho e depois de beber umas e outras e dançar um pouco com as “meninas” que costumeiramente animam esses lugares, retornariam para suas casas. Afinal, ninguém é de ferro para suportar uma “esposa ranzinza que não compreende que o marido teve um dia complicado cheio de problemas e suportado um chefe idiota, prepotente, além de puxa-saco do patrão”. A essas alturas, a mulher deixa a raiva de lado e começa a se preocupar com a demora do marido, afinal, não era habitual ele se atrasar tanto.
Por volta da meia noite chega ele e nota que a mulher, apesar de deitada, ainda está acordada. No dia seguinte os dois amigos repetem o programa e dessa vez duas “garotas” fazem companhia aos boêmios. O marido, marinheiro de primeira viagem, não estava acostumado às habilidades das “profissionais” da noite e a cada instante se envolvia mais e mais com uma delas.
Após duas ou três semanas, a esposa cansada de se emperiquitar e esperar pelo marido e não ser notada, resolveu também mostrar seus dotes às amigas que faziam parte de um clube de bingo. Tomou gosto pelo jogo, abandonou o lar, e ninguém sabe que rumo ela tomou. O homem, deixado também pela segunda companheira, entregou-se à bebida, perdeu o emprego e hoje vive na rua e sua subsistência é recolher inservíveis para reciclagem. Faltou diálogo, o lar saiu do prumo e foi “pros quiabos”.

• Benedicto Blanco é Jornalista, Administrador do site Lençóis Notícias e membro da Academia Literária Lençoense.