O menino que sonhava ser cavalo

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Como qualquer menino de sua geração, Jô jogava futebol, bolinha de gude, empinava pipa, rodava pião e participava de outras brincadeiras inerentes à sua idade. Contudo, diferentemente de seus coleguinhas que sonhavam ser cantor, jogador de futebol, galã de novela, médico, policial, bombeiro, entre outras atividades, Jô queria mesmo era ser um cavalo. Isso mesmo, ele queria ser cavalo. Confidenciava a amigos que gostaria de ter nascido cavalo. Em seus devaneios, via-se marchando à frente de alguma parada inglesa, montado por um lorde, conde, ou por uma bela amazonas paramentada com trajes alusivos à festa, sempre levando à reboque uma linda carruagem dourada, cujos ocupantes seriam reis, rainhas, príncipes, ou pessoas de vanguarda de qualquer dinastia importante. Em seu filminho imaginário, Jô via-se troteando nos espigões dos verdes e floridos prados. Contemplava o derreter das gotas de orvalho depositadas na relva pelo sereno da noite passada. Via-se atravessando colinas e bebendo da fonte límpida que despencava da montanha formando uma cortinha multicor de beleza estonteante. Galopava pelas alamedas,  trilhas e picadas encobertas por caramanchões de flores campestres. Ouvia o alegre gorjear de centenas de pássaros canoros. Sentia a crina esvoaçante, soprada pelo vento, enrolar em parte do seu pescoço. Jô agora era um cavalo. Um cavalo a correr pelos campos, livre, solto, despreocupado como pensamento pueril. Ele não queria mais voltar a ser menino. Queria continuar sendo  cavalo e ser patrimônio de uma donzela ou de um garboso mancebo, membro de alguma nobre prole da mais refinada burguesia. Queria ser acarinhado, cortejado e elogiado pelo mais importante cavaleiro da coroa. Participar de exposições famosas, desfiles cívicos, cavalgadas de abertura de feiras agropecuárias entre outros eventos festivos estavam nos planos do garoto. Mas, como tudo isso é apenas um devaneio de menino, Jô volta a jogar seu futebolzinho de rua, donde as cidadelas (traves) são feitas com pés de chinelos, ou pedaços de tijolos. É a vida que segue. (BBlanco)

Texto publicado no Jornal Sabadão do Povo, edição de 18 de fevereiro de 2017