Sonhos de Maria

Sentou-se e pediu chá com torradas. Três da tarde é uma boa hora para se alimentar, sobretudo quando se tem sobre a mesa forrada por ceda chinesa, inúmeras guloseimas feitas com carinho pelas criadas da casa. A chuva fina e fria e a cerração davam um ar sombrio à tarde de domingo e à mente daquela velha senhora. O vento fraco e constante entoava um hino assombrador ao soprar na cumeeira da velha mansão. Maria lá estava. Estava só. O pensamento perambulava  pelas trilhas percorridas no passado. Recordava dos pais que já haviam partido para outra dimensão.
Dos irmãos que por circunstâncias alheias à sua compreensão, tomaram rumo diferente na vida.  Lembrava-se do amor não correspondido, dos filhos que não teve e da sorte que nunca lhe sorriu. Envolta a sombrios pensamentos, curvou um pouco as costas e debruçou-se sobre a mesa nua, sem toalha alguma, toda suja de poeira e soluçou silenciosamente.
Ninguém estava ali para ver o seu pranto e ouvir os soluços e lamentos que saíam quase inaudível de sua boca. A solidão era a sua companheira. Aquele pequeno e rudimentar quarto de abrigo para idosos era a sua mansão, seu mundo, sua alcova, seu ninho de amor que ela dividia com a saudade. Com os olhos fechados, balbucia para as paredes algumas palavras de carinho, como se falasse com alguém. As mãos cansadas e trêmulas alcançam parte de um velho terço e em pranto inicia uma oração simples que aprendeu com a mãe na infância e chora copiosamente, mas as escassas lágrimas já nem saem mais dos cansados olhos.
Naquela tarde fria de domingo não há torradas e nem chá das três da tarde. Há apenas tristeza no coração da velha Maria, que reza para que seus dias de sofrimento sejam abreviados. Enquanto não chega o dia de sua partida, ela sonha com o príncipe encantado que nunca existiu, com os filhos que não teve e com o passado sofrido ao lado dos pais.

Benedicto Blanco

Jornalista –  MTb: 24509