Tremendo engano

Naquela noite fria e chuvosa, como fazia nos últimos três anos, ele voltava da escola onde terminava o curso de tecnologia mecânica. Cabeça cheia de planos, sonhos e aspirações, caminhava apressadamente em direção à sua casa. Dois estampidos quebram o silêncio da noite. Um corpo estatela-se ao chão. Uma poça de sangue marca o asfalto sujo. Mais um número. Mais um registro nas estatísticas. O ser humano virou número, estatística. Pobre mãe se derrete em lágrimas. Familiares reclamam e protestam contra as autoridades. Manchetes nos jornais mostram que mais um jovem foi vítima da violência. Nada mais do que isso, ou simplesmente isso. Não foi o primeiro, nem será o último diz alguém. Duas balas ceifaram a vida de mais um. Alguns poucos Reais e o telefone celular foram o alvo dos assassinos. Perguntas aqui e acolá ao redor do corpo são feitas pela polícia. É necessário elucidar o crime. Ninguém sabe ninguém viu. O corpo estatelado no asfalto espera pelo translado para o IML onde se irá checar a causa da morte. Mãe desesperada espera pela chegada do corpo do filho que será velado em casa humilde da comunidade. Parentes apinhados nos poucos e pequenos compartimentos do rudimentar barraco. Comoção toma conta de todo mundo. O desconforto até de quem é de fora da família é notório. Baldes de lágrimas são derramados. A chuva fina que caía na hora do crime persiste e o frio parece congelar os ossos das pessoas. Rodada de café fraco e quase frio começa a ser servida. Para quem prefere, tem também uma cachacinha da boa. O corpo chega junto com o sol e a gritaria é geral. O esquife é exposto na sala principal e começa a visitação. A pequena sala fica impregnada com o cheiro de vela queimada, mas todos vão dar o último adeus ao finado. Um detalhe chamou atenção de uma ex-namorada do morto. Aquele que ali estava não tinha uma estrela tatuada no dedo anular da mão esquerda. Algo de muito estranho estava acontecendo. Reuniu alguns membros da família e relatou o que viu. Observou-se então que o corpo que estava exposto não era do estudante de mecânica, mas sim, de um sujeito extremamente parecido com ele e que na saída da escola roubou-lhe as roupas, documentos, sapatos e tudo mais. Porém o ladrão não teve sorte e foi morto logo em seguida por outros ladrões. Daí a tremenda confusão. Devolveram o defunto para IML e no lugar do velório organizou-se uma festa com churrasco, cachaça, cerveja e muita diversão.

Benedicto Blanco